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Respiração dos bebês é arma contra a síndrome do pânico, diz psiquiatra

Respirar como um bebê pode ser a chave para lidar com a síndrome do pânico, transtorno de ansiedade caracterizado por crises de falta de ar, taquicardia e sensação de que se vai perder o controle, entre outros sintomas. De acordo com o psiquiatra Geraldo Possendoro, professor da disciplina de medicina comportamental da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), uma das ferramentas que têm sido usadas com sucesso no controle das crises é a Respiração Diafragmática (RD).

 

Possendoro explica que a RD é a forma como respiramos ao nascer: ao inspirar, empurramos o abdômen para fora; ao expirar, encolhemos a barriga e há pouca ou nenhuma movimentação do tórax. O diafragma, músculo que sustenta os órgãos da parte superior do corpo, é quem rege o ciclo. A prática garante maior concentração de oxigênio, acalma e relaxa. O problema é que, ao longo de nosso desenvolvimento, passamos a adotar a respiração peitoral, principalmente quando estamos ansiosos. E vários estudos mostram que os ataques de pânico podem ter relação com um desequilíbrio de gás carbono (CO²) na corrente sangüínea.

 

Em entrevista ao Ciência e Saúde, ele conta como a técnica, aliada a um programa de terapia cognitivo-comportamental, pode até substituir o uso de medicamentos nos casos leves e moderados de síndrome do pânico.

 

Ciência e Saúde - Os sintomas do pânico são iguais para todo mundo?

 

Possendoro - Os ataques de pânico têm como característica o surgimento súbito e imotivado. Na maioria das vezes, a crise aparece do nada. Em geral, tem-se falta de ar (o que, na verdade, é apenas um jeito de respirar diferente, utilizando mais a região do tórax), taquicardia, suor frio, sensação de formigamento ou perda de sensibilidade nas extremidades, percepção de vazio na mente, quase sempre interpretada como a sensação de estar enlouquecendo. A pessoa também pode sentir que não é ela mesma, o que chamamos de 'despersonalização'. Esses dois últimos sintomas são mais raros, mas basta que se verifiquem mais de quatro dos sintomas acima descritos para que se reconheça a crise. O pânico é um diagnóstico de exclusão, pois existem outras doenças que podem causar episódios com sinais semelhantes, como hipertiroidismo, anemia severa e insuficiência cardíaca leve, entre outras.

 

Ciência e Saúde - Quais são suas causas da síndrome?

 

Possendoro - Ainda não existem certezas, mas há uma teoria denominada Teoria da Desregulação do Sistema Anti-Sufocamento Inato. O cérebro está programado para nos defender de alguma situação que leve à obstrução de nossas vias aéreas. Assim, ele ativa a hiperventilação: respiração alta, curta e rápida, do tipo toráxica. Algumas pessoas teriam essa disfunção e esse sistema seria ativado, sem necessidade. O motivo? Variações na concentração de gás carbônico (CO²) no sangue. O cérebro "entende" que há um sufocamento que precisa ser controlado, ativa a respiração toráxica e a crise se instala.

 

Ciência e Saúde - Como é o tratamento convencional do pânico?

 

Possendoro - Realizado o diagnóstico da síndrome, o médico está autorizado a prescrever um remédio que aumente a disponibilidade de serotonina, substância que, entre outras funções, inibe uma das regiões do cérebro que controla a ansiedade e as crises. Porém, muitos estudos confirmam a eficácia da terapia cognitivo-comportamental, sem uso de medicação, nos casos leves a moderados (crises repetidas, mas que não impedem a pessoa de sair de casa).

 

Ciência e Saúde - Como funciona a técnica da respiração diafragmática?

 

Possendoro - Com quatro, cinco, seis sessões, o paciente, bem treinado, já está apto a interromper e reverter as crises de ansiedade. O médico deve ensinar o paciente a não usar os músculos intercostais superiores para respirar, passando a utilizar, predominantemente, o músculo diafragma. É preciso treinar por 15 a 20 minutos, duas vezes ao dia. Quando ele ele consegue fazer isso, equilibra naturalmente o nível de CO² no sangue e a falsa interpretação do perigo é interrompida em seu cérebro.

 

Ciência e Saúde - A técnica deve ser combinada com outras modalidades de terapia?

 

Possendoro - Essa é uma das várias técnicas utilizadas num programa cognitivo-comportamental para tratamento da síndrome do pânico. Porém, para mim, ela é seguramente a mais importante para esse tipo de transtorno.

 

Ciência e Saúde - Há alguma contra-indicação?

 

Possendoro - Enfatizo a importância de se escolher profissionais habilitados, pois a prática da RD de forma inadequada por indivíduos com lesões cerebrais, epilepsia ou gestantes com tendência a convulsões pode desencadear uma crise. Aconselho avaliação médica prévia e rigorosa para evitar problemas. Também é importante ser supervisionado por um psiquiatra que monitore o paciente com um aparelho de biofeedback, instrumento de precisão que indica claramente se o paciente, a cada sessão, está conseguindo relaxar ao praticar a técnica.

 

Ciência e Saúde - A técnica vale também como prevenção?

 

Possendoro - Sim, toda pessoa que é muito ansiosa ou vivencia o estresse de forma constante pode se beneficiar da técnica, desde que procure profissionais qualificados. Na verdade, isso tem sido cada vez mais comum. Na terapia cognitivo-comportamental pode-se também avaliar se as formas de cada um enfrentar o estresse no dia-a-dia são disfuncionais ou não. Se forem identificadas disfunções, a pessoa aprenderá não só a RD, mas também outras técnicas para que possa adotar novas formas de sentir, pensar e se comportar que serão mais adequadas diante de eventos estressantes, o que melhora significativamente a qualidade de vida do indivíduo.

 

Fonte: Ciência e Saúde

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