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"Maus Hábitos" mostra o drama de quem sofre de anorexia

Elena é uma mulher magra, perfeccionista e frustrada por não conseguir convencer a filha rechonchuda a fazer dieta. "Ninguém gosta de gordos", diz à menina, sem saber que o marido está interessado mesmo é na aluna que esbanja curvas e come sem culpa. Outra personagem, Matilde, é uma freira que se recusa a comer por acreditar que o sacrifício é capaz de salvar a cidade de uma enchente. O filme "Maus Hábitos", que entrou em cartaz recentemente no Brasil, aborda com riqueza de detalhes a anorexia, doença que afeta principalmente mulheres e tem sido associada ao universo da moda.

 

Especialista em transtornos alimentares, o psiquiatra Alexandre Azevedo, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clinicas, da USP (Universidade de São Paulo), foi assistir ao filme por indicação de uma paciente, que identificou sua condição nas telas. "O filme é bastante realista na apresentação das crenças que um portador do transtorno apresenta; claro que com certo 'colorido', por se tratar de uma ficção", critica. Mas ele diz que não o recomendaria para qualquer um: "No caso de uma paciente ainda resistente ao tratamento, ela vai ouvir o discurso da personagem como sendo verdadeiro e, assim, reforçar as crenças que tem sobre a doença".

 

"Maus Hábitos" traz à tona a hipótese, que já foi tema de estudo, de que muitas das santas da Idade Média sofriam de anorexia. A crença era de que, quanto maior a força para manter um jejum auto-imposto, mais a fé seria acreditada e mais próxima de Deus estaria a religiosa. Alguns especialistas sugerem, inclusive, que a desnutrição seria a causa das alucinações visuais e auditivas narradas por essas mulheres.

 

Apesar do contexto ser diferente, as anoréxicas de hoje também estão presas a um tipo de crença: a de que ser magra é sinônimo de sucesso, como conta o médico ao Ciência e Saúde.

 

Ciência e Saúde: Elena, a mãe anoréxica de "Maus Hábitos", é extremamente perfeccionista. Essa também é uma característica de quem sofre do transtorno? Azevedo: É uma característica habitual. Os portadores de anorexia nervosa, particularmente do subtipo restritivo (com dietas rigorosas e intensa perda de peso) são comumente perfeccionistas. Trata-se, em geral, de excelentes alunos, educados, discretos e elogiados por todas essas condutas. Sem dúvida, o grande portador de transtorno alimentar no filme é o personagem da mãe. Suas crenças de que pessoas obesas são infelizes são induzidas à filha.

 

Ciência e Saúde: O colega gordinho da menina diz ter encontrado um jeito de emagrecer sem sofrer: mastigar, mastigar e depois cuspir. Portadores de anorexia costumam usar estratégias como essa? Azevedo: Sim. São considerados métodos inadequados de compensação. Os mais comuns são vômitos auto-induzidos, prática exagerada de exercícios, uso de laxantes e diuréticos e uso de substâncias que promovem perda de peso (como anorexígenos, cocaína, hormônio tireoideano e outros estimulantes). Mastigar e cuspir é uma das técnicas. Alguns chegam ao extremo de ingerir detergentes com a intenção de promover a diluição das gorduras, mas isso é menos freqüente.

 

Ciência e Saúde: A postura de reprovação de algum parente, a exemplo do que ocorre no filme, pode ser um deflagrador do transtorno? Azevedo: Os deflagradores costumam ser a pressão sobre a necessidade de perder peso e a crença, imposta ou não por outra pessoa, de que a magreza traz sucesso em qualquer área da vida. Assim, inicia-se uma dieta de restrição e o indivíduo ganha atenção e elogios sobre a sua capacidade em perder peso. Em um indivíduo geneticamente predisposto, esse pode ser o gatilho para o desejo de perder cada vez mais peso e desencadear a síndrome alimentar pela distorção de imagem corporal (este é o sintoma central nos transtornos alimentares: enxergar-se maior do que de fato é).

 

Ciência e Saúde: Na sua opinião, o filme pode ajudar pacientes e familiares a entenderem melhor a doença? Você o indicou ou indicaria? Azevedo: O filme só poderá ser indicado a pacientes que realmente já adquiriram crítica sobre a doença, ou seja, percebem-se doentes e desejam tratar-se e melhorar. No caso de uma paciente ainda resistente ao tratamento, ela vai ouvir o discurso da personagem como sendo verdadeiro e, assim, reforçar as crenças que tem sobre a doença. Nesse caso, filmes como esse podem até agravar os sintomas. No caso de pacientes adultas, que participam do tratamento e desejam melhorar, o filme pode ajudar a compreender a origem da doença e o quão vazia é a crença de que um corpo magro é garantia de sucesso. Além disso, ela pode se identificar com o sofrimento do personagem e isso lhe dará motivação para melhorar.

 

Fonte: Ciência e Saúde

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